
Assemelha-se-lhe o tempo, caprichoso.
A sua presença, ora radiante ora implacável, todavia omnipresente, exerce sobre mim uma espécie de aperto invisível, que actua como um poderosíssimo torniquete metálico ou mesmo talvez como a pressão que se encontra no fundo dos oceanos inabitavelmente gelados. Invade-me o peito em repentinos movimentos repetidos (como o ponteiro dos segundos naquele velho relógio) até que finalmente convergir na mais pavorosa estagnação.
Sim…é, tal como o inevitável fluir do sempre fugaz tempo, implacável. Ainda assim, até o tempo com o seu imparável avanço possui momentos mortos.
Afastou-se finalmente.
Mata-me! Rápido! (Não. Lentamente, por favor…)
Degrada-me ainda mais um pouco a cada avanço (agora mais vagaroso) do ponteiro dos minutos desse antiquado relógio de cuco. Mas sempre que se aproxima a (nossa) hora marcada, quando o culminar do esforço sentimental desse ponteiro para se encontrar com a sua amante na casa das 12 atinge o seu expoente máximo, quando esse mesmo fabuloso momento chega, o cuco não canta. A portada da sua moradia abre-se… porém, já ninguém habita a escura e húmida abertura no topo do velho relógio de mogno. E o pesaroso silêncio instala-se por todo o espaço vazio da sala vermelho-sujo. A mesa já não tem tampo e as cadeiras já não têm encosto. As outrora belas orquídeas prostradas num vaso requintado no peitoril da única janela da sala apresentam um aspecto quase miserável. Já não é confortável.
Mas ele continua lá. Avança soluçante…faltam-lhe as forças. Apodera-se dele um sufocante cansaço. A sua passagem pela casa das 12, algo que já se lhe tornara familiar, avizinha-se agora como uma tarefa praticamente impossível de se repetir…e quantas foram essas pecaminosas repetições! Ainda que sempre breves, nunca deixaram de ser imbuídas num deleite tal que o desejo do regresso ás 12 tornara-se quase uma obsessão. Mas o velho relógio de mogno era de corda…e quem iria entrar naquela sala fria e de texturas vermelho-sujo para lhe dar o último laivo de força que ele precisava?
Parou enfim…
O canto do cuco nunca mais será entoado. O maldito tic-tac suave dos ponteiros não mais se irá ouvir.
Ficou agora vazia, a sala vermelho-sujo… verdadeira e inevitavelmente vazia…
2 comentários:
Já li este texto umas 20 vezes *,P
E, sinceramente, agora que o quero comentar, tenho medo de não o honrar, de que as palavras que vá dizer não sejam as perfeitas para o fazer *,)
Gostei especialmente da parte: "Sim…é, tal como o inevitável fluir do sempre fugaz tempo, implacável. Ainda assim, até o tempo com o seu imparável avanço possui momentos mortos."
Muito bom *,)
Apesar de não ter colocado/vir a colocar os textos/poemas por ordem de criação, este terá sido um dos primeiros textos que escrevi, já com alguns anitos... acho que estava mal... seja lá o que "estar mal" signifique na realidade e seja lá o que "realidade" signifique também... acho que lá no fundo, nem estava mal. Acho que apenas me queria sentir mal...
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